Da Liberdade de Expressão

Em tempos onde o politicamente correto parece ter assumido as rédeas do poder e do que se pode dizer/fazer, terá sentido falar em liberdade de expressão?
Diz o Diário da República que "A liberdade de expressão é um direito fundamental de liberdade que consiste na faculdade de todos os cidadãos poderem exprimir e divulgar livremente, sem impedimentos e discriminações, o seu pensamento, ou seja, as suas ideias, convicções, pontos de vista, críticas ou valorações pela palavra, imagem, pelo som ou por qualquer outro meio." Mas, logo adiante, acrescenta que "A liberdade de expressão pode ser objeto de restrições, no caso de colisão com outros direitos fundamentais e interesses públicos constitucionalmente protegidos (n.º 2 do art.º 18.º da CRP)." Em que ficamos? Posso ou não ter liberdade de expressão para exprimir o que penso e divulgar, sem impedimentos nem discriminações, o meu pensamento? Só posso fazê-lo se o que disser for música para os ouvidos de alguém? As ideias (≠ injúrias) debatem-se com argumentos, sem qualquer tipo de censura. Não é porque não concordo com determinadas ideias que tenho o direito de as censurar: se não tenho argumentos para as combater, posso, quando muito, ou admitir que estou errado ou continuar a pensar como penso, mas sempre dando ao outro a liberdade para pensar diferente.
Os famosos "discursos de ódio" não se combatem com censura, mas sim com apresentação de factos, com informação clara e não manipulada. É precisamente a censura que confere aos seus propagadores o estatuto de "vítima" de que usam e abusam para ganhar mais adeptos. Uma educação isenta de partidarismos e de ideologias disto e daquilo deveria ser efetivamente a grande aposta, o meio para conduzir à procura de informação e ao pensamento esclarecido, essenciais para combater extremismos, venham eles de onde vierem.
Que me interessam a mim as tuas opções sexuais, a tua etnia, as tuas crenças religiosas ou a ausência delas, o país de onde vens, se, para mim, isso não te define como pessoa? É certo que aquilo que somos pode ser marcado por esses fatores, mas o que não podemos é deixar que eles nos façam marginais ou más pessoas (= pessoas que não respeitam os outros, que só têm direitos – porque deveres são para os outros…). A integridade da pessoa vê-se pela forma como age na relação com os outros e como os respeita, independentemente da sua forma de vida e de se concordar ou não com ela. E isto deveria valer para TODOS e não apenas para a maioria ou para a(s) minoria(s). Posso não concordar com o facto de teres uma relação com uma pessoa do mesmo sexo ou de sexo diferente, com o facto de culturalmente seres diferente de mim, com o facto de teres uma crença religiosa diferente da minha ou de não teres crença alguma, mas não é isso que te define como PESSOA. Eu tenho o dever de te respeitar e tu tens o dever de aceitar que eu posso não concordar com nada disso, sendo certo que nem tu nem eu temos o direito de nos maltratarmos e nos injuriarmos mutuamente por causa disso, que nem tu nem eu temos o direito de querer que o outro "se converta" à forma de vida que escolhemos e pense o mesmo que nós pensamos e acredite naquilo em que nós acreditamos.
Quando chegarmos a esse ponto, eu poderei dizer o que penso, sem te injuriar, mas discordando de ti, e tu não verás no meu pensamento discordante uma ofensa permanente àquilo que pensas/és. Quando chegarmos a esse ponto, o mundo estará certamente menos doente e todos nós (con)viveremos em harmonia, sem censura do pensamento e da expressão do mesmo, mas também sem qualquer tipo de injúria e de desrespeito.
Ah, ok, como cantava o Lennon, "You may say I'm a dreamer"…