Em tempo de guerra…

Numa época em que a escassez de candidatos profissionalizados para exercer funções docentes em várias zonas de Portugal é um problema preocupante, a par de um concurso que diminui a exigência nos requisitos habilitacionais para o exercício de funções docentes, surge agora na comunicação social o caso da professora de Matemática que, durante três décadas, lecionou a disciplina, sem ter as habilitações legalmente exigidas, quiçá para mostrar que qualquer um pode ser professor.
Há uns anos, perante o número de professores desempregados, um primeiro-ministro sugeriu-lhes a emigração; agora, admite-se a concurso candidatos com habilitação própria, que é como quem diz, em tempo de guerra não se limpam armas e, na falta de uma espingarda, um pau ou uma pedra também são armas a considerar.
Mais do que andar com pensos-rápidos que não resolvem as questões de fundo, haveria toda a vantagem em tentar perceber o que levou os jovens a afastar dos seus futuros horizontes profissionais a carreira docente. Os salários pouco atrativos serão certamente uma razão, mas não a única: a indisciplina (impunemente) generalizada em sala de aula, o ónus do insucesso dos alunos a recair quase invariavelmente sobre os professores, a transformação de alunos e encarregados de educação numa espécie de cliente que tem sempre razão, entre outros fatores, vieram contribuir para a carreira docente pouco tenha de atrativo.
Saímos de um passado em que a figura do professor era temível para um presente em que qualquer um pode contestar tudo num professor, já para não falar das situações de agressão física e/ou verbal. É positivo que qualquer cidadão ganhe consciência dos seus direitos, mas é igualmente necessário que tenha consciência de que também tem deveres. Se é verdade que o desempenho de um professor não é inquestionável, não é menos verdade que, para questionar alguém ou alguma coisa, é essencial saber do que se está a falar e ter argumentos válidos que sustentem a contestação: coisas como "não gostei" ou "acho mal" não podem ser consideradas argumento.
Se o desprestígio e a desvalorização socioeconómica dos professores eram já um facto, desde as últimas duas décadas do século XX, em 2006, a ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues deu-lhes a machadada quase fatal quando proferiu a célebre frase que afundou a réstia de respeito que havia por esta classe profissional: "Perdi os professores, mas ganhei a opinião pública." A constante descredibilização, conseguida pela informação manipulada que passa para a opinião pública a convicção de que os professores são uma classe privilegiada ("os professores trabalham, no máximo, 22/25 horas por semana", "os professores têm mais de três meses de férias por ano", "os professores ganham mais de três mil euros por mês"…) até podia virar-se contra o feiticeiro e funcionar como forma de atrair jovens para essa profissão supostamente privilegiada. Contudo, estes argumentos servem apenas para denegrir estes profissionais e não para atrair potenciais candidatos, porque, no fundo, todos sabem que não são verdadeiros.
Perante os constantes ataques governamentais (qualquer que seja a cor política) a esta classe, as armas que os maus profissionais lhes cederam para potenciar os ataques (como se em outras carreiras não houvesse bons e maus profissionais…), o desgaste e o cansaço que afetam aqueles que verdadeiramente se dedicam a esta profissão e que os faz sonhar com a aposentação, que medidas apresenta o governo para suprir a carência de professores? Toma lá mais horas extra! Toma lá mais alunos por turma! Toma lá aulas de substituição porque os meninos têm de estar numa sala com alguém que tome conta deles, enquanto não têm professor! Ah, mas tenham lá calma, que está aí um concurso que vai encher as escolas de professores!
Estes candidatos sem qualificação profissional não são o ovo de Colombo: nos primeiros anos pós-revolução dos cravos, as políticas para o aumento dos níveis de escolaridade da população tiveram como consequência um boom da população escolar, obrigando à contratação de milhares e milhares de professores, muitos até só com habilitação suficiente. Estes ficaram no desemprego quando o sistema deixou de precisar deles, mas quem sabe se, a curto prazo, não vão voltar a ter oportunidade de trabalho? Passará por aqui o futuro da educação em Portugal ou mais não é do que a tentativa de tapar um buraco, com recurso a mão de obra barata e menos qualificada?
Quo vadis, schola/educatione?